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Aula Inaugural: A Reforma do Livro VI do Código de Direito Canônico.

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Aula Inaugural: A Reforma do Livro VI do Código de Direito Canônico.

Na abertura do semestre, Faculdade de Direito Canônico trata sobre as atualizações na normativa penal da Igreja

A Reforma do Livro VI do Código de Direito Canônico (CDC) – conjunto de normas que regulam a vida na comunidade eclesiástica – foi o tema da aula inaugural do 1o semestre de 2021 da Faculdade de Direito Canônico São Paulo Apóstolo (Facdcsp), realizada na manhã desta sexta-feira, 26, de modo on-line.

Estudantes e ex-alunos da Facdcsp, bem como operadores do Direito Canônico de diferentes dioceses do país acompanharam a aula ministrada, diretamente de Roma, pelo Prof. Dr. Padre Damián Guillermo Astigueta, SJ, que é doutor em Direito Canônico pela Pontifícia Universidade Gregoriana, onde atua como professor.

O Livro VI, que tipifica as sanções por crimes cometidos dentro da comunidade católica, é um dos que compõem o CDC. Os demais são: Livro I (Das Normas Gerais), Livro II (Do Povo de Deus); Livro III (Do Múnus de Ensinar da Igreja); Livro IV (Do Múnus de Santificar da Igreja); Livro V (Dos Bens Temporais da Igreja) e Livro VII (Dos Processos).

No começo da aula, o Cardeal Odilo Pedro Scherer, Arcebispo Metropolitano e Grão-Chanceler da Faculdade de Direito Canônico São Paulo Apóstolo, saudou os participantes e lembrou que tratar de sanções e penas na Igreja requer grande discernimento, senso de responsabilidade e de justiça, para a correta aplicação do direito.

“Sanções e penalizações são necessárias para se fazer justiça, e o direito serve para assegurar a boa ordem, o bom andamento da vida da Igreja e a justiça para os fiéis”, comentou o Arcebispo.

CUIDADOSO PROCESSO DE REVISÃO

Os trabalhos para a reforma do Livro VI do Código de Direito Canônico começaram em 2009, no pontificado de Bento XVI, e foram coordenados pelo Pontifício Conselho para a Interpretação dos Textos Legislativos, que realizou uma ampla consulta às conferências episcopais, faculdades de Direito Canônico, centros de estudos jurídicos, dicastérios e peritos na temática, a fim de propor aprimoramentos no documento, cuja proposta final foi entregue ao Papa Francisco em fevereiro de 2020, ou seja, mais de dez anos após o começo das tratativas para a reforma.

Na ocasião, Francisco afirmou que o trabalho de revisão do Livro VI atualiza a normativa penal para torná-la mais orgânica e conforme às novas situações e problemáticas do contexto sociocultural, a fim de oferecer instrumentos idôneos para facilitar sua aplicação. O Pontífice encaminhou o texto com as propostas de revisão para um grupo mais restrito de peritos. Assim que o Papa aprová-lo, este deverá ser promulgado. Ainda não há uma data definida para tal, mas é possível que isso ocorra em aproximadamente um ano.

OBJETIVOS DA REFORMA DO LIVRO VI

Durante a aula, o Padre Astigueta ressaltou que a comissão que pensou a reforma do Livro VI partiu da premissa que o problema central não estava no conteúdo em si do Código, mas, sim, em como torná-lo mais compreensível para que sua aplicação ocorra da maneira mais eficaz possível.

“O texto proposto não é completamente diferente do que há no livro VI atualmente. É, porém, um texto mais eficaz. O objetivo é que seja um instrumento mais bem utilizado por parte dos pastores”, afirmou o palestrante, ao recordar que a redação final apresentada propõe mudanças, ainda que pontuais, em 74 dos 89 cânones que compõe este livro.

“Essa reforma pretende fazer que as normas penais universais se tornem mais adequadas para a proteção do bem comum e dos direitos individuais, mais coerentes com as exigências da justiça e mais eficazes e adaptadas ao contexto eclesiástico atual”, ressaltou Padre Astigueta, lembrando, ainda, que a meta é a de oferecer aos operadores do Direito Canônico “uma ferramenta ágil e útil para fomentar o uso do direito penal quando isto for necessário, para que, respeitando as exigências da justiça, da fé e da caridade, possam proteger o povo de Deus”, complementou.

BASES DAS MUDANÇAS

Padre Astigueta comentou, ainda, que as mudanças propostas se deram essencialmente em três pilares: o rigor da lei sob a ótica da misericórdia, pela qual a preocupação é de buscar mais a caridade pastoral para o bem da comunidade de fiéis do que uma perspectiva punitiva; o rigor quanto à precisão dos procedimentos – incluindo um melhor detalhamento das finalidades de cada pena e dos trâmites dos processos; e a gradualidade da pena, considerando-se, neste caso, o tipo do delito cometido e as atribuições na Igreja daquele que o cometeu, bem como o perfil e a idade das vítimas.

“Creio que a reforma tratou de muitos problemas, tanto da aplicação quanto dos delitos a combater. Estou convencido, porém, de que a eficácia de um instrumento está na capacidade de quem irá manejá-lo. Assim, dependerá da informação e, sobretudo, da formação oferecida neste campo aos pastores, para que bem utilizem essa ferramenta”, afirmou. “Ao final, deve-se buscar que a justiça seja a mais justa possível para todas as partes envolvidas no processo”, ressaltou.

Também o Padre Dr. Everton Fernandes Moraes, Diretor da Facdcsp, reforçou que a “eficácia do Código depende do conhecimento sobre o que já está posto, bem como daquilo que será objeto de reforma. Diante disso, também esta é a missão da Faculdade de Direito Canônico, assim como dos outros institutos no Brasil: de proporcionar a formação adequada para os nossos estudantes, além da formação permanente para aqueles que já estão no trabalho nos tribunais”.

PREOCUPAÇÃO PASTORAL

Na parte final do encontro, o Cardeal Scherer lembrou que o Direito Canônico tem um ritmo próprio, que, por vezes, pode parecer demorado, mas que indica todo o cuidado da Igreja para que se analise os processos criteriosamente, a fim de que não se cometam injustiças.

O Grã-Chanceler da Facdcsp recordou, também, que desde o pontificado de São João Paulo II tem crescido na Igreja a preocupação pastoral com o Direito Canônico.

“Não se trata de aplicar a lei pela lei. A preocupação não é, simplesmente, aplicar uma sanção. Ela deve ter sempre uma finalidade medicinal, de modo a ajudar que quem falhou se corrija. Outra preocupação é com a salvaguarda do povo de Deus. Este é o bem pastoral que precisa ser resguardado. Não se trata de uma questão individual da Igreja com um faltoso, mas sim da Igreja com toda a comunidade de fiéis”, ressaltou.

Também essa dimensão pastoral foi destacada pelo Papa Francisco em fevereiro do ano passado quando recebeu a versão final da proposta de reforma do Livro VI do Código de Direito Canônico: “Divulgar e aplicar as leis da Igreja não é um empecilho para a eficiência pastoral de quem deseja resolver os problemas sem o direito, mas garantia da busca de soluções não arbitrárias, realmente justas, e por isso, realmente pastorais”.

Daniel Gomes

Jornal ” O São Paulo” da Arquidiocese de São Paulo